Os reajustes abusivos e cancelamentos injustificados de planos de saúde têm sido um grande problema, gerando muitas ações judiciais. Com isso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem tentando criar novas regras para as operadoras de saúde, com o objetivo de garantir o equilíbrio e, ao mesmo tempo, proteger os consumidores. 

Na última segunda-feira, a ANS apresentou uma prévia dos estudos feitos para mudar as regras dos reajustes de planos de saúde, propondo uma nova política de preços. Além disso, a proposta da ANS também prevê limites para coparticipação, rescisão de contratos e revisão técnica para planos individuais.

Ou seja: muitas questões importantes para quem tem plano de saúde serão discutidas e poderão mudar em breve. O projeto será detalhado em audiência pública em janeiro de 2025 e, se for aprovado, entrará em vigor em janeiro de 2026. No entanto, há receio de que algumas dessas novas regras acabem beneficiando apenas as operadoras e prejudicando os beneficiários mais vulneráveis.

Continue a leitura para entender melhor as mudanças propostas pela ANS e como elas podem impactar o seu plano de saúde.

Reajuste de planos coletivos

1. Ampliação do tamanho dos agrupamentos

Atualmente, os planos coletivos são divididos em pequenos grupos, chamados de "agrupamentos", que reúnem até 29 beneficiários. A nova proposta da ANS prevê mudanças importantes:

  • Nos planos coletivos empresariais, o agrupamento passará a incluir até 1.000 beneficiários. Isso significa que empresas com contratos menores serão incluídas em grupos muito maiores.
  • Nos planos coletivos por adesão, como aqueles contratados por sindicatos ou associações, não haverá mais limite. Todos os contratos passarão a fazer parte de um único grupo geral.

Essa mudança é importante porque, ao aumentar o número de beneficiários no agrupamento, o risco financeiro é melhor distribuído entre todos os participantes. O que isso quer dizer na prática? Imagine um plano com poucos beneficiários: se uma ou duas pessoas precisarem de um tratamento mais caro, o custo é dividido entre um grupo pequeno, o que acaba gerando um reajuste alto. Com o agrupamento maior, o impacto desse tipo de despesa é diluído entre mais pessoas, o que tende a reduzir a pressão por aumentos exagerados.

2. Regras mais claras para o cálculo dos reajustes

Hoje, as operadoras de planos de saúde podem calcular o reajuste usando dois índices ao mesmo tempo: o índice financeiro e o índice por sinistralidade. A nova proposta proíbe essa prática e determina que a operadora escolha apenas um dos índices para definir o reajuste.

  • O índice financeiro reflete o aumento nos custos da saúde, como inflação, gastos com medicamentos, equipamentos e atendimentos médicos.
  • O índice por sinistralidade considera a relação entre o que foi arrecadado pela operadora (valor das mensalidades pagas) e o quanto ela gastou com atendimentos e procedimentos.

Além de exigir a escolha de apenas um índice, a ANS também definiu um percentual mínimo para o cálculo do reajuste baseado na sinistralidade: 75%. Esse percentual, chamado de “sinistralidade meta”, é uma forma de garantir que o reajuste só seja aplicado quando a operadora tiver realmente um gasto significativo com os atendimentos do grupo.

Essa mudança traz mais transparência para os beneficiários, que terão mais clareza sobre como o reajuste foi calculado. Isso evita que as operadoras misturem índices e aumentem os valores sem uma explicação justa e compreensível.

3. Novas regras para cancelamento de contratos

Outra mudança importante proposta pela ANS é a padronização das regras para o cancelamento de contratos coletivos. A ideia é alinhar as regras dos planos coletivos (empresariais e por adesão) com as que já existem para os contratos de empresário individual. Com a nova regra:

  • O cancelamento do contrato só poderá ocorrer na data de aniversário do contrato (ou seja, na data em que o contrato completa um ano);
  • A operadora precisará avisar o contratante com antecedência mínima de 60 dias.

Na prática, isso significa que, caso a operadora decida encerrar o contrato, o beneficiário terá tempo suficiente para buscar alternativas e não ficará desamparado de uma hora para outra. A rescisão programada traz mais segurança e previsibilidade para os consumidores, evitando que sejam surpreendidos por um cancelamento inesperado e fiquem sem cobertura de saúde.

Mecanismos financeiros de regulação: coparticipação e franquia

A ANS também propôs mudanças importantes para as regras de coparticipação e franquia nos planos de saúde. Esses dois mecanismos funcionam como formas de controle de custos, em que o beneficiário paga uma parte do valor do procedimento (coparticipação) ou arca com uma quantia pré-definida antes de a cobertura do plano entrar em vigor (franquia).

1. Limite por procedimento

A ANS propõe que a coparticipação em um procedimento não ultrapasse 30% do valor total daquele serviço. Isso significa que, se um exame ou consulta custar R$ 100, o beneficiário poderá pagar, no máximo, R$ 30 a título de coparticipação. Essa regra impede que o custo para o consumidor seja excessivo ou ultrapasse valores razoáveis.

2. Limite mensal e anual

Além do percentual máximo por procedimento, a ANS propôs limites para as cobranças de coparticipação e franquia ao longo do mês e do ano:

  • Limite mensal: a soma da coparticipação ou franquia não pode ultrapassar 30% do valor da mensalidade.
  • Limite anual: o total pago não poderá ser maior que o equivalente a 3,6 vezes o valor da mensalidade no período de um ano.

Na prática, essas regras garantem que o consumidor tenha um limite máximo de gasto, evitando surpresas desagradáveis com valores muito altos acumulados ao longo do tempo.

3. Procedimentos isentos

Outra mudança importante é a definição de uma lista de procedimentos que não terão cobrança de coparticipação ou franquia. A lista inclui serviços considerados essenciais para a saúde do paciente, como:

  • Terapias contínuas para doenças crônicas;
  • Tratamentos oncológicos (como quimioterapia e radioterapia);
  • Hemodiálise;
  • Exames preventivos.

Venda on-line de planos de saúde

A ANS também propôs mudanças na venda online dos planos de saúde, atualizando a Resolução Normativa nº 413/2016. Anteriormente, a contratação eletrônica era opcional para as operadoras, mas a nova proposta torna obrigatória a venda on-line para alguns tipos de planos. Na proposta, a obrigatoriedade inclui os seguintes contratos:

  • Planos individuais e familiares;
  • Planos coletivos por adesão (contratados por sindicatos ou associações);
  • Planos empresariais firmados por empresários individuais (como microempreendedores).

O objetivo é facilitar a vida do consumidor, permitindo que ele tenha acesso a diferentes opções de planos de forma rápida e prática, sem precisar sair de casa. Além disso, a venda online ajuda a reduzir a seleção de risco, ou seja, evita que as operadoras escolham clientes com base em critérios que possam prejudicar determinados grupos, como pessoas com mais idade ou condições de saúde pré-existentes.

Essa medida, portanto, pode aumentar a transparência e ampliar o acesso aos planos de saúde, garantindo que mais consumidores possam comparar opções e tomar decisões informadas.

Revisão técnica de preços para planos individuais e familiares

A última questão proposta pela ANS trata da revisão técnica dos preços dos planos individuais e familiares. Esse processo tem como objetivo garantir que os valores cobrados pelos planos estejam alinhados com os custos reais das operadoras e com as necessidades dos beneficiários.

Atualmente, a ANS está estudando como implementar essa revisão. Isso inclui a análise de como as operadoras poderão solicitar a revisão, os critérios que precisam ser cumpridos e como os novos valores serão aplicados. A expectativa é que uma nova regra (normativo) seja elaborada e publicada em 2025, detalhando todo o processo.

Nossa análise: os riscos para o consumidor

Apesar de as mudanças propostas pela ANS terem como objetivo proteger os consumidores, trazendo mais transparência ao setor da saúde privada, um ponto de preocupação é a questão do “equilíbrio financeiro” dos contratos.

Conforme explicamos ao longo do texto, as operadoras de saúde repassam aos consumidores os aumentos nos custos, por meio do aumento na mensalidade. No entanto, isso não é feito de forma transparente e privilegia o lucro das operadoras em detrimento dos direitos dos beneficiários.

Por isso, como sociedade e como advogados, precisamos exigir que a ANS estabeleça diretrizes mais claras para reajustes de preços e alterações nos contratos, que respeitem o consumidor e garantam o acesso à saúde

Não podemos deixar que as novas regras se traduzam em uma interpretação favorável às operadoras, que desconsidere as necessidades dos pacientes.

A ANS precisa definir limites rigorosos para que as operadoras comprovem um “desequilíbrio” no contrato, considerando que, na prática, muitas operadoras tendem a deixar as consequências de uma má gestão ou de resultados de mercado desfavoráveis para o consumidor. Portanto, é preciso definir também formas de proteger o consumidor, como um teto percentual (limite máximo) e maior fiscalização sobre o cálculo dos reajustes.

Próximos passos: quando as regras devem mudar?

A ANS anunciou que realizará uma Audiência Pública em janeiro de 2025 para ouvir a opinião da sociedade, dos especialistas e de todas as partes envolvidas. O objetivo é construir regras mais claras e justas, com a participação de todos.

Após a finalização do debate e a publicação das novas regras, as mudanças deverão começar a valer a partir de janeiro de 2026. Isso significa que haverá tempo para que as operadoras se adaptem e para que os consumidores acompanhem as atualizações sobre o cálculo dos preços.

As propostas da ANS sobre coparticipação, franquia, venda on-line e revisão de preços buscam garantir mais equilíbrio financeiro, transparência e acesso aos planos de saúde. Se aprovadas, essas mudanças poderão trazer maior proteção para os beneficiários, especialmente aqueles que dependem de tratamentos contínuos ou que buscam mais facilidade para contratar um plano.

É importante acompanhar as próximas etapas desse processo e entender como essas alterações podem impactar os contratos atuais e futuros e, em caso de problemas, contar sempre com o apoio de um advogado especializado em direito à saúde.

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