Na semana passada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez um acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM) para criar regras para orientar as operadoras de saúde no atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Ainda não se sabe se essas regras serão realmente implementadas ou se o tema será resolvido até o fim do mandato do presidente da ANS, Paulo Rebello Filho, que termina em 21 de dezembro. O acordo com o CFM, feito o dia 05 de novembro, busca melhorar a qualidade dos serviços oferecidos por operadoras e médicos, além de fortalecer a atuação da ANS para garantir ética, transparência e cumprimento das regras nos contratos entre prestadores de serviços e operadoras.
No entanto, o resultado pode ser bem diferente, prejudicando as pessoas que mais precisam dos serviços de saúde.
Entenda o acordo entre ANS e CFM
A ANS decidiu, em julho de 2022, que as sessões de terapia para TEA não teriam mais limites de cobertura. No entanto, desde então, as operadoras de saúde têm reclamado dos altos custos e de casos de fraudes.
Com a nova proposta do presidente Paulo Rebello Filho, a ideia é que as diretrizes para esses atendimentos sejam definidas em um acordo técnico com o Conselho Federal de Medicina (CFM). Esse acordo foi aprovado pela diretoria da ANS em reunião no dia 25/10 e assinado no dia 5/11, com o objetivo de implementar essas novas regras e diretrizes.
Em entrevista ao Portal JOTA no dia 25/10, Rebello Filho afirmou que espera aprovar novas regras para o atendimento de pessoas com TEA até o fim de seu mandato. A ideia é que essas regras estabeleçam limites de cobertura para terapias, como sessões com psicólogos e outros profissionais, de acordo com o grau do transtorno.
Isso poderia resultar, por exemplo, na limitação do número de sessões pagas pelas operadoras.
Ainda, ele comentou que a criação dessas diretrizes seria um passo para “organizar o atendimento de pessoas com TEA”, embora não tenha certeza se elas serão oficialmente publicadas como norma.
Na visão do presidente da ANS, as diretrizes poderiam ajudar a definir limites de cobertura, especialmente para evitar excessos, como a prescrição de dezenas de horas semanais de terapia.
Núcleo de Apoio Técnico no Setor Privado
Rebello Filho também propôs um acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para criar núcleos de apoio técnico no Judiciário, voltados às questões de saúde suplementar. Hoje, esses núcleos (conhecidos como Natjus ou Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) só existem para o SUS.
Em resumo, esses núcleos são grupos de especialistas que o juiz consulta antes de tomar uma decisão sobre direito à saúde. A ideia é financiar esses núcleos com 1% da arrecadação das Taxas de Saúde Suplementar (TSSs). Rebello Filho já enviou essa proposta ao ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, mas o ministro ainda não comentou.
Mandato e Propostas Finais
O mandato de Rebello Filho termina em 21 de dezembro, e ele espera deixar prontos alguns projetos importantes antes de sair, incluindo uma minuta de norma que altera a política de preços dos planos de saúde. O governo federal já considera Wadih Damous, atual secretário de defesa do consumidor, para o cargo de presidente da ANS.
Nova Política de Preços
A revisão da política de preços dos planos de saúde também está em debate desde uma audiência pública em 2 de outubro. A proposta será aberta para consulta pública na última reunião de Rebello Filho, marcada para 16 de dezembro.
A nova política inclui mudanças técnicas, maior agrupamento de planos coletivos, novas regras de coparticipação, incentivo às vendas online e planos voltados apenas para consultas e exames (ambulatoriais). Segundo o atual presidente da ANS, sua prioridade é regular esses planos ambulatoriais, removendo a exigência de atendimento hospitalar de até 12 horas em casos urgentes, o que traria uma opção de menor custo para o mercado.
Ele acredita que os planos ambulatoriais ajudariam a substituir "cartões de desconto", que têm função semelhante, mas não são regulamentados. Rebello explica que deseja incluir indicadores de saúde nesse tipo de plano, como exames periódicos de glicemia. A segunda prioridade dele é a revisão técnica dos preços, que, segundo Rebello, deve ser aplicada apenas em casos excepcionais para garantir a sustentabilidade do setor.
Nossa análise
Em vez de agir contra as irregularidades das grandes empresas do setor (como no caso recente em que a Unimed Cuiabá foi investigada por suspeita de fraude e desvio de mais de R$ 400 milhões pelo CEO da empresa), a ANS parece mais focada em restringir o acesso a terapias para pessoas com autismo.
Essas terapias são essenciais para garantir autonomia e qualidade de vida a pessoas com deficiência, levando sempre em conta as necessidades e particularidades de cada pessoa.
Enquanto a gestão de Rebello Filho fala em um suposto “oportunismo” por parte dos profissionais que atendem pessoas com autismo e até de suas famílias, a ANS não parece igualmente preocupada com as denúncias de desvios e irregularidades no setor, que prejudicam o equilíbrio econômico das operadoras de saúde.
Realmente, é mais fácil culpar os consumidores e as famílias de pessoas autistas do que agir para de fato controlar, fiscalizar e punir, se necessário, as operadoras de saúde. O compromisso da ANS deve ser, acima de tudo, com o interesse público e com a saúde da população, especialmente daquelas pessoas mais vulneráveis.
Enquanto isso, os advogados da saúde continuam tendo um papel fundamental na luta por mais direitos e para garantir que ninguém ficará sem o tratamento de saúde de que precisa - inclusive as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Fontes da notícia: ANS e Portal Jota.