O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece uma série de medicamentos para uma grande variedade de doenças e condições. Mas, nem sempre o medicamento prescrito pelo médico faz parte da lista de remédios fornecidos regularmente. Nessas situações, muitas pessoas recorrem à justiça para garantir que terão acesso ao tratamento necessário.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o “Tema 6” que envolve justamente a possibilidade de obtenção de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) através de ações judiciais.

O aumento do número de processos sobre direito à saúde, levando à chamada “judicialização da saúde”,  tem gerado muita discussão sobre a viabilidade do sistema público de saúde e a garantia de acesso a tratamentos eficazes e seguros, especialmente quanto ao fornecimento de medicamentos não incluídos nas listas oficiais do SUS.

O que o Supremo Tribunal Federal decidiu no “Tema 6”?

No julgamento do Tema 6, o STF determinou que o Estado tem o dever de fornecer medicamentos não incorporados ao SUS, mas estabeleceu critérios rigorosos e específicos que devem ser seguidos para que um paciente consiga obter um medicamento pelo SUS, não incluído nas listas de medicamentos disponibilizados rotineiramente.

A nossa equipe analisou a decisão, e destaca que esses critérios já vinham sendo exigido pelos juízes na prática. Ou seja: a decisão do STF é importante para deixar claro quando um medicamento deverá ser fornecido, e quem é o responsável por isso - mas, na prática, não vai prejudicar os direitos dos pacientes que precisam desse tipo de ação.

Quais são os critérios que o STF determinou?

Os requisitos ou critérios para que um medicamento possa ser concedido na Justiça são os seguintes:

1. Avaliação Médica e Prescrição 

Avaliação médica por um profissional de saúde, que deve ser registrado e habilitado para prescrever o medicamento necessário ao paciente. Após o diagnóstico, o médico deve prescrever o medicamento justificando sua necessidade, explicando por que os tratamentos disponíveis no SUS não são suficientes ou adequados para o caso do paciente.

Em outras palavras, não basta a receita ou indicação médica, é preciso ter um laudo completo, que permita explicar ao juiz os motivos pelos quais os outros tratamentos já oferecidos regularmente pelo SUS não são adequados, e por que aquela pessoa precisa de um medicamento que não faz parte da lista oficial. Também é importante indicar neste relatório médico quais são os riscos caso a pessoa não receba o tratamento que foi prescrito.

2. Comprovação de Eficácia e Segurança

O medicamento prescrito deve ter sua eficácia e segurança comprovadas com base em evidências científicas. Ou seja: não pode se tratar um tratamento experimental, que não se sabe se é realmente eficaz e seguro. O paciente, com o auxílio do médico e do advogado, deve reunir documentos e relatórios que comprovem que o medicamento é eficaz e necessário para o tratamento específico de sua condição.

Caso o medicamento ainda não esteja registrado na ANVISA, é necessário que ele seja autorizado por renomadas agências internacionais, e é preciso justificar as razões pelas quais ele é imprescindível para o tratamento. Mais uma vez, essa informação deve constar claramente no laudo médico, já que esse é o documento mais importante quando se trata de direito à saúde.

3. Comprovação de Ausência de Alternativas no SUS

É necessário demonstrar que não há alternativas terapêuticas disponíveis no SUS que possam atender às necessidades do paciente de forma adequada. Isso significa que é preciso comprovar que o paciente já tentou os tratamentos oferecidos pelo SUS e que estes não foram eficazes ou não são apropriados para o seu quadro clínico, por exemplo, causando graves efeitos colaterais.

Isso deve ser feito por meio do laudo médico, onde devem constar os tratamentos já realizados, e o motivo pelo qual cada um deles não foi eficaz ou adequado.

4. Solicitação Administrativa

Antes de dar entrada em uma ação na Justiça, o paciente deve fazer uma solicitação administrativa do medicamento junto ao SUS, isto é, um pedido por escrito, registrando o protocolo. Essa solicitação deve ser formalizada nos canais de atendimento do SUS, apresentando toda a documentação médica e justificativas necessárias.

5. Comprovar a impossibilidade de pagar pelo tratamento

Por fim, será preciso apresentar comprovantes de renda para demonstrar que aquela pessoa não pode pagar pelo tratamento por conta própria. Não há um limite de renda fixo, e mesmo uma pessoa com uma renda maior poderá comprovar essa necessidade, caso demonstre que também tem gastos elevados.

Em outras palavras, é preciso comprovar com documentos que aquela pessoa realmente não pode pagar pelo medicamento e precisa que ele seja fornecido pelo SUS.

O que o Supremo Tribunal Federal decidiu no “Tema 1234”?

Há outra decisão recente do STF importante para as ações judiciais envolvendo direito à saúde: trata-se do “Tema 1234” (RE 1366243), no qual foi feito um acordo a partir das discussões entre União, estados e municípios para facilitar a gestão e o acompanhamento dos pedidos de fornecimento de medicamentos.

O STF já votou e decidiu aceitar (isto é, homologar) o acordo.

O acordo prevê a criação de uma plataforma nacional para reunir todas as informações sobre demandas de medicamentos, para facilitar a gestão e o acompanhamento de casos e a definição das responsabilidades entre União, estados e municípios, além de melhorar a atuação do Judiciário.

O acordo define, ainda, quais são os medicamentos não incorporados:

  • Medicamentos que não constam na política pública do SUS
  • Medicamentos previstos nos protocolos clínicos oficiais para outras finalidades
  • Medicamentos sem registro na Anvisa
  • Medicamentos off label sem protocolo clínico ou que não integrem listas do componente básico
  • As ações judiciais envolvendo medicamentos não incorporados ao SUS, mas com registro na Anvisa, serão de responsabilidade da Justiça Federal quando o valor do tratamento anual for igual ou superior a 210 salários mínimos. Nesses casos, os medicamentos serão custeados integralmente pela União. Quando o custo anual unitário do medicamento ficar entre sete e 210 salários mínimos, os casos permanecem na Justiça Estadual. A União deverá ressarcir 65% das despesas decorrentes de condenações dos estados e dos municípios.

Nossa análise

Um dos pontos mais importantes do julgamento do STF é a garantia de que os medicamentos obtidos judicialmente sejam seguros e eficazes. O STF destacou a importância da “medicina baseada em evidências”, exigindo que os medicamentos nas ações judiciais tenham sua eficácia comprovada e sejam autorizados por agências reguladoras, como a ANVISA, salvo situações excepcionais.

O objetivo é proteger os pacientes de tratamentos experimentais ou inseguros e impedir o desvio de recursos para produtos que não oferecem resultados claros. Por isso, o juiz deverá solicitar nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário em Saúde (NAT-JUS) para analisar a solicitação e garantir que o pedido atende aos critérios definidos pelo STF.

Esse parecer técnico é importante para avaliar a eficácia e a necessidade do medicamento, auxiliando o juiz na tomada de decisão, entretanto, aguardar a manifestação do NAT-JUS é algo que pode tomar um tempo precioso, e que nem sempre acontece tão rápido quanto deveria. A necessidade de avaliação de cada caso por comitês técnicos pode prolongar o tempo de espera para o início do tratamento, trazendo riscos para a saúde.

O julgamento é uma tentativa de equilibrar o direito à saúde com a sustentabilidade do SUS: por um lado, a decisão reconhece o direito de buscar judicialmente o acesso a medicamentos que não são oferecidos pelo sistema público, mas, por outro, coloca critérios rigorosos que podem se tornar barreiras para muitas pessoas. 

Na tentativa de proteger a sustentabilidade do SUS, não podemos permitir que sejam criados obstáculos desnecessários, prejudicando os mais vulneráveis. O Judiciário e os gestores públicos precisam atuar de maneira a facilitar o acesso à saúde para todos, e os advogados têm um papel importante nessa luta.

Para saber mais: STF: Recurso Extraordinário (RE) 566471, com repercussão geral (Tema 6) | STF: RE 1366243, com repercussão geral (Tema 1234)

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