Muito se tem falado na mídia sobre as decisões do STF que envolvem medicamentos fora da lista do SUS. Ao contrário do que muitas manchetes dão a entender, essas decisões não vão impedir a Justiça de conceder medicamentos, desde que sejam cumpridos alguns critérios ou requisitos.

Os seis requisitos já existiam e já vinham sendo exigidos pelos juízes na prática; a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) veio para confirmar essas exigências e tornar oficial, mas, segundo a nossa análise, deve mudar pouca coisa em relação a quem realmente precisa desses medicamentos.

Continue a leitura para entender qual é o impacto esperado das decisões do STF.

O que o STF decidiu?

O STF realizou, no dia 17 de outubro, uma cerimônia que marcou a conclusão do julgamento de dois recursos com repercussão geral: o “Tema 6” e o “Tema 1234”, ambos ligados ao fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Em setembro, ao analisar o “Tema 6” (discutido no Recurso Extraordinário (RE) 566471), o STF definiu os critérios ou requisitos para a concessão judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao SUS, independentemente do custo.

Foi nessa decisão que o STF determinou quais os 6 critérios ou requisitos necessários para conseguir acesso a um medicamento judicialmente:

  • 1) Que o remédio seja negado pelo órgão público responsável;
  • 2) Que a decisão da Conitec pela não-inclusão do medicamento nas listas do SUS seja ilegal, que não haja pedido de inclusão ou que haja demora excessiva na sua análise;
  • 3) Que não haja outro medicamento disponível nas listas do SUS capaz de substituir o solicitado;
  • 4) Que haja evidência científica sobre segurança e eficácia do remédio;
  • 5) Que o remédio seja indispensável para o tratamento da doença;
  • 6) Que o solicitante não tenha condições financeiras para comprar o remédio.

Também em setembro, no julgamento do “Tema 1234”  (analisado no  Recurso Extraordinário (RE) 1366243), o STF aceitou um acordo que envolveu a União, estados e municípios para facilitar a gestão e o acompanhamento dos pedidos de fornecimento de medicamentos.

A “judicialização da saúde” é o nome dado às ações judiciais que envolvem medicamentos, tratamentos, cirurgias, entre outras questões de saúde. Nos últimos anos, a judicialização da saúde vem aumentando, o que resulta em maiores gastos para o governo brasileiro.

De acordo com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, a judicialização da saúde se tornou um dos maiores problemas do Poder Judiciário e, possivelmente, um dos mais difíceis. Isso explica por que o Supremo quis colocar regras mais claras para que seja possível conseguir um medicamento na Justiça, o que não significa, de forma alguma, o fim do acesso a tratamentos pela via judicial.

Critérios do STF para judicialização da saúde: nossa análise

Os requisitos ou critérios para que um medicamento possa ser concedido na Justiça já eram, e continuam sendo, os seguintes:

1) Que o remédio seja negado pelo órgão público responsável

Antes de iniciar uma ação judicial, o paciente precisa formalizar um pedido administrativo para obter o medicamento pelo SUS, ou seja, apresentar uma solicitação por escrito com registro do protocolo. Esse pedido deve ser feito nos canais oficiais do SUS ou diretamente na Secretaria de Saúde, acompanhado de toda a documentação médica e justificativas necessárias.

No entanto, esse requisito prejudica pessoas em situações mais urgentes, que não podem aguardar semanas ou mesmo meses por uma resposta.

Na prática, muitos juízes já vinham exigindo essa negativa expressa, e, por isso, a orientação para os nossos clientes tem sido no sentido de fazer o protocolo da solicitação pessoalmente na secretaria de saúde, sempre que possível, cobrando a resposta com urgência.

2) Que a decisão da Conitec pela não-inclusão do medicamento nas listas do SUS seja ilegal, que não haja pedido de inclusão ou que haja demora excessiva na sua análise

Este é um ponto que irá depender de cada medicamento e, na nossa análise, é o requisito que poderá ser mais problemático na prática.

Aqui, é preciso fazer uma crítica importante: quando a Conitec decide se vai incluir um medicamento na lista do SUS, ela leva em consideração diversas questões além da eficácia e segurança do medicamento, como, por exemplo, questões de custo-benefício.

Quando não há uma parcela grande o suficiente da população que precise de determinado tratamento, a Conitec poderá decidir não incorporar aquele medicamento ao SUS, simplesmente porque não é algo viável em termos de custo. No entanto, isso não significa que o medicamento não deve ser fornecido em situações excepcionais.

Por isso, preencher este requisito é algo que vai depender principalmente do que estiver escrito no relatório da Conitec, quando houver um. Se não houver ainda uma decisão, relatório ou parecer da Conitec sobre aquele medicamento, esse critério não deve trazer grandes dificuldades na prática.

Já para as demais situações, a tendência é que haja uma análise caso a caso, mas que poderá se tornar um obstáculo para o acesso a medicamentos.

Será preciso acompanhar as decisões judiciais nos próximos meses para analisar este critério com mais detalhes.

3) Que não haja outro medicamento disponível nas listas do SUS capaz de substituir o solicitado

Este ponto é algo que se comprova com um laudo médico bem completo e que já era uma exigência dos juízes há bastante tempo.

É preciso comprovar que não existem opções terapêuticas disponíveis no SUS capazes de atender às necessidades do paciente de maneira adequada. Ou seja, é necessário mostrar que o paciente já utilizou os tratamentos oferecidos pelo SUS e que esses tratamentos não foram eficazes ou adequados, seja por ineficácia ou por causarem efeitos colaterais severos.

Essa comprovação deve constar no laudo médico, detalhando os tratamentos já utilizados e explicando por que cada um deles não foi eficaz ou apropriado para o quadro clínico do paciente.

4) Que haja evidência científica sobre segurança e eficácia do remédio;

Este ponto também não deve trazer grandes dificuldades. O medicamento indicado precisa ter sua eficácia e segurança demonstradas por meio de provas científicas confiáveis. Em outras palavras, não pode ser um tratamento experimental, cujo real efeito e segurança ainda não foram comprovados. O paciente, com o apoio do médico e do advogado, deve reunir relatórios e documentos que mostrem que o remédio é eficaz e essencial para tratar sua condição específica.

Se o medicamento ainda não tiver registro na ANVISA, é necessário que ele tenha sido aprovado por agências internacionais de referência, e deve-se justificar por que ele é indispensável para o tratamento. Novamente, essa informação precisa estar claramente presente no relatório médico, visto que este é o documento mais relevante nos casos de direito à saúde.

5) Que o remédio seja indispensável para o tratamento da doença 

Assim como no item 3 acima, o mais importante aqui será ter um laudo médico bem completo, explicando por que aquele medicamento específico é necessário.

É preciso ter uma avaliação médica realizada por um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado, capaz de prescrever o tratamento adequado. Após identificar o diagnóstico, o médico deve emitir a prescrição, justificando a importância do medicamento e esclarecendo por que as opções de tratamento fornecidas pelo SUS não atendem de maneira eficaz às necessidades do paciente.

Em outras palavras, a simples receita médica não é suficiente; é preciso apresentar um relatório detalhado que explique ao juiz as razões pelas quais os tratamentos oferecidos pelo SUS não são apropriados, justificando a necessidade de um medicamento que não consta da lista oficial. Esse documento também deve apontar os riscos envolvidos caso o paciente não receba o tratamento recomendado.

Em resumo, precisa ficar claro no laudo médico que aquele medicamento específico é indispensável para a vida ou saúde daquela pessoa em particular.

6) Que o solicitante não tenha condições financeiras para comprar o remédio 

Isso não significa necessariamente baixa renda: a pessoa pode ter uma renda maior, mas ainda assim não ter condições de pagar.

Será preciso apresentar comprovantes de renda para demonstrar que aquela pessoa não pode pagar pelo tratamento por conta própria. Não há um limite de renda fixo, e mesmo uma pessoa com uma renda maior poderá comprovar essa necessidade, caso demonstre que também tem gastos elevados.

Em outras palavras, é preciso comprovar com documentos que aquela pessoa realmente não pode pagar pelo medicamento e precisa que ele seja fornecido pelo SUS.

Qual deve ser o impacto na prática?

A análise da nossa equipe é de que, na prática, não haverá grandes mudanças para quem realmente precisa desses medicamentos, ou seja, para quem cumpre os requisitos definidos pelo STF.

Como apontamos acima, esses critérios ou requisitos já vinham sendo exigidos pelos juízes na prática, e as decisões do STF basicamente servem para confirmar esse entendimento e garantir a uniformidade das decisões judiciais no futuro.

O requisito que poderá ser mais problemático é o que envolve a decisão da Conitec, já que a incorporação ao SUS pode ter sido recusada simplesmente por questões econômicas ou financeiras, isto é, por conta do custo-benefício. No entanto, precisamos aguardar e acompanhar as próximas decisões para saber como esse critério será aplicado na prática.

Ainda, entendemos que há outro critério que poderá ser mais impactado: a solicitação administrativa. Isso porque passará a ser exigida a comprovação de que houve uma negativa de fornecimento, isto é, uma negativa expressa.

Contudo, em casos mais urgentes, nem sempre é possível esperar 30 ou 60 dias, ou mais. Nessas situações, até agora, se considerava que houve uma “negativa tácita”: embora o SUS não tenha recusado o fornecimento, deixar de enviar uma resposta dentro de um prazo razoável era considerado uma forma de negativa, suficiente para justificar entrar na justiça.

Na prática, muitos juízes já vinham exigindo essa negativa expressa, e, por isso, a orientação para os nossos clientes tem sido no sentido de fazer o protocolo da solicitação pessoalmente na secretaria de saúde, sempre que possível, cobrando a resposta com urgência.

Isso pode ser especialmente difícil para pessoas com mobilidade reduzida, para mães de crianças e adolescentes com deficiência, para idosos, entre outros grupos vulneráveis. No entanto, o governo e o STF entendem que esse é o preço a se pagar para que seja possível reduzir a judicialização da saúde e garantir que só terá acesso a medicamentos pela via judicial quem de fato precisar deles e não puder pagar por conta própria.

Mas, na perspectiva dos pacientes, quem sai prejudicado é quem é mais vulnerável. Por isso, será ainda mais importante contar com o apoio de advogados especializados para garantir que o direito à saúde continuará sendo respeitado, como uma garantia constitucional e um direito fundamental de todas as pessoas.

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