A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apresentou uma proposta polêmica para a criação de uma nova modalidade de plano de saúde que cobriria apenas consultas médicas e exames, deixando de fora internações, atendimentos de urgência e terapias essenciais.

A justificativa da agência é tornar o acesso aos planos de saúde mais barato para os brasileiros, mas especialistas alertam que essa medida pode prejudicar ainda mais os consumidores e sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS).

Se aprovada, a nova modalidade pode atingir até 10 milhões de pessoas, segundo reportagem do Estadão, mas traz consigo uma série de preocupações. Muitos profissionais da saúde e defensores dos direitos dos pacientes consideram a proposta um retrocesso, pois ela compromete a continuidade dos tratamentos e não garante o atendimento integral necessário para diversas condições médicas. Além disso, há questionamentos sobre a legalidade da iniciativa, já que a legislação atual exige uma cobertura mínima dos planos de saúde.

Como funcionariam os novos planos de saúde?

A ANS propõe que (inicialmente) esses novos planos sejam testados exclusivamente no formato coletivo por adesão, ou seja, eles não estariam disponíveis para contratação individual, mas apenas para grupos organizados, como associações profissionais. Além disso, as operadoras seriam obrigadas a limitar a coparticipação (valor pago pelo beneficiário a cada procedimento realizado) a 30% do custo do atendimento.

Outro ponto apresentado pela agência é que os beneficiários desses planos receberiam bônus e incentivos financeiros caso participassem de programas de cuidado e permanecessem no plano por pelo menos dois anos. O modelo será testado dentro de um “sandbox regulatório”, um ambiente de testes onde novas regras podem ser aplicadas de forma experimental antes de serem oficializadas.

Se, ao final dos dois anos de teste, a ANS decidir que o modelo não será mantido, os beneficiários terão direito a uma portabilidade extraordinária, podendo migrar para outro plano de saúde sem necessidade de cumprir novas carências ou, ainda, retornar ao plano de origem, se houver essa possibilidade.

O que muda para os consumidores?

A principal mudança para os consumidores é a redução drástica da cobertura de alguns tipos de planos de saúde. Com esse novo modelo, os beneficiários terão acesso apenas a consultas e exames eletivos, ficando sem qualquer suporte para tratamentos mais complexos. Isso significa que pessoas que necessitem de internações, cirurgias, atendimentos de urgência ou terapias especializadas terão que recorrer ao SUS, gerando mais dificuldades no acesso à saúde.

Além disso, a ANS afirma que esses novos planos não permitirão a migração para modalidades mais completas, ou seja, quem contratar um plano apenas com consultas e exames não poderá futuramente trocar para um plano hospitalar sem cumprir todas as exigências de um novo contrato. Isso pode criar um entrave para aqueles que, em algum momento, precisarem de uma cobertura mais ampla.

Outra preocupação levantada por especialistas é que esse modelo pode afetar negativamente o tratamento de doenças crônicas e graves, como o câncer, que exigem internações e terapias contínuas. Pacientes com transtorno do espectro autista (TEA), vítimas de acidentes de trânsito e pessoas que sofrem acidentes vasculares cerebrais (AVC) também ficariam desassistidos, tendo que recomeçar o tratamento no SUS.

Os impactos dessa medida para os consumidores e o SUS

A proposta da ANS pode gerar um impacto negativo tanto para os beneficiários dos planos de saúde quanto para o próprio sistema público. Para os consumidores, há um grande risco de falsa sensação de segurança, pois muitas pessoas podem contratar esses planos sem perceber que, na prática, eles oferecem uma cobertura extremamente limitada. Quando precisarem de atendimentos mais complexos, serão forçados a buscar o SUS, que já enfrenta dificuldades estruturais e longas filas de espera.

Outro problema é a transferência de custos para o sistema público. Ao permitir planos com coberturas mínimas, a ANS deixa toda a parte mais cara dos tratamentos – internações, cirurgias e terapias de longo prazo – sob responsabilidade do SUS. Isso pode gerar um impacto financeiro expressivo para o sistema público, que terá que absorver uma demanda maior sem um aumento proporcional nos investimentos.

Especialistas apontam que a proposta da ANS segue um movimento antigo do setor de planos de saúde de tentar reduzir a cobertura mínima obrigatória. Desde a criação da Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, diversas tentativas foram feitas para flexibilizar essas regras, permitindo que operadoras oferecessem serviços mais baratos, mas sem a devida proteção aos consumidores.

Por que essa proposta pode ser ilegal?

O principal questionamento jurídico sobre a proposta da ANS está na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), que estabelece um mínimo de coberturas que devem ser garantidas aos beneficiários. Segundo essa legislação, os planos devem cobrir consultas, exames, terapias, internações e procedimentos de urgência e emergência. A proposta da ANS ignora essa exigência, criando um modelo que restringe o acesso a serviços essenciais.

A própria ANS admite que, por se tratar de um produto novo, essa modalidade não seria considerada um plano de saúde tradicional e, por isso, não estaria sujeita às mesmas regras da lei. No entanto, especialistas alertam que essa interpretação é questionável, pois um serviço que se apresenta como plano de saúde deve garantir o mínimo de proteção ao consumidor.

Além disso, a criação desses novos planos não foi discutida no Congresso Nacional, o que levanta preocupações sobre a falta de debate legislativo. A tentativa de regularizar um produto dessa magnitude sem aprovação do Legislativo pode gerar conflitos jurídicos e abrir brechas para ações judiciais por parte de consumidores prejudicados.

Quem apoia a medida?

A proposta recebeu apoio das operadoras de planos de saúde, que enxergam no novo modelo uma oportunidade para expandir o mercado e captar clientes que atualmente utilizam apenas cartões de desconto e clínicas populares. A expectativa do setor é que esses planos mais simples sejam vendidos a preços mais acessíveis, atraindo consumidores que não podem pagar pelos modelos tradicionais.

As operadoras defendem que esses planos podem melhorar a prevenção e o diagnóstico precoce de doenças, reduzindo a necessidade de atendimentos mais complexos no futuro. No entanto, essa visão não é compartilhada por especialistas da área da saúde, que apontam que consultas e exames isolados não garantem o tratamento adequado para muitas condições médicas.

O que esperar dessa possível mudança?

A proposta da ANS ainda passará por uma consulta pública, que ficará disponível até o dia 4 de abril. Nesse período, qualquer pessoa pode enviar sugestões ou críticas pelo site da agência. Além disso, no dia 25 de fevereiro, será realizada uma audiência pública para debater a medida.

É fundamental que os consumidores estejam atentos a essas mudanças e participem do debate, cobrando que a ANS garanta planos de saúde com cobertura adequada e respeito aos direitos dos beneficiários.

Se a proposta for aprovada, é importante que os consumidores avaliem com muito cuidado antes de contratar esse tipo de plano, verificando se ele realmente atende suas necessidades. E, caso haja problemas como falta de informação clara, venda enganosa ou descumprimento de contratos, buscar a orientação de um advogado especializado em direito à saúde pode ser a melhor alternativa para garantir seus direitos.

A saúde não pode ser tratada como um serviço qualquer. Os consumidores precisam de segurança e de um sistema que ofereça atendimento completo, e não de planos que limitem e dificultem ainda mais o acesso à saúde de qualidade.

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